16 de junho de 2008

Ficha de leitura - "Será pública a escola pública? - Mariano Enguita

Com o intuito de dar continuidade ao trabalho que se tem vindo a desenvolver ao longo deste semestre, apresentamos a ficha de leitura. O texto escolhido trata-se de um dos capítulos do livro Educação e Poder – Abordagens críticas e pós – estruturais, organizado por João Pareskeva, intitulado:”Será pública a escola pública?”, escrito por Mariano Fernández Enguita.




“Será pública a escola pública?”

A questão que é colocada e tomada como título deste texto contém duas ambiguidades que convém desde já esclarecer. Ao referir-se à escola pública (escola ao serviço dos serviços da sociedade), o autor pretende fazer referência à escola estatal (escola ao serviço do estado e do governo). A segunda ambiguidade é que, ao levantar esta interrogação, tem como sentido questionar se os interesses públicos, interesses de toda a sociedade e os interesses do público, alunos e famílias, se sobrepõem aos interesses da classe docente e não docente.
Neste texto, Mariano Enguita, pretende ainda clarificar uma outra questão: Será que a grande parte dos privilégios dos funcionários e a falta de controlo do seu trabalho se situa mais próximo dos interesses públicos ou dos interesses do público? Não se situa mais próximo do interesse público uma vez que a maioria do ensino privado em Espanha tem como objectivo manter à distância os alunos mais problemáticos, o que colide abertamente com o interesse público. Porém também não se situa mais próxima dos interesses do público, uma vez que a relação que se estabelece entre aluno e o professor não passa de uma troca de “mercadoria”, sendo os alunos vistos como a clientela.
Centrando-se na questão: Será pública a escola pública, o autor aponta que sim, se atendermos ao facto de esta ser financiada por fundos públicos. Neste caso, o seu titular são os poderes públicos e os seus funcionários são os funcionários públicos. Por outro lado, o autor defende que não, uma vez que a lei e a titularidade estatal não bastam para garantir que a denominada escola pública.
Perante esta situação, segundo o autor, estamos diante de uma subordinação por parte dos professores relativamente aos objectivos e os interesses dos alunos, da comunidade envolvente e da sociedade em geral. Perante este assunto, o autor apresenta diversos aspectos que poderão estar por detrás desta situação.
Num primeiro instante, menciona o facto de até então não ter havido uma única reforma de calendário ou horário escolar que não tenha consistido em reduzi-los. Tem-se repetido até à exaustão que a denominada jornada contínua seria do interesse dos alunos, tendo-se supostamente criado actividades extracurriculares e outros benefícios em prol dos mesmos. Todavia não passam de meras ideias teóricas que não são postas em prática, o que se vem a verificar é a conversão destas actividades, benéficas para o aluno, em festividades que não constam no programa educativo, em férias e em dias de entrega de notas. Isto leva a que numerosas famílias recorram á escola privada, com o intuito de encontrar horários menos concentrados, serviços mais eficientes, actividades mais diversas e mecanismos de recuperação mais flexíveis. Em segundo lugar aponta para a falha dos professores em não usarem parte do seu tempo disponível para dedicarem a preparação das aulas, a renovação dos programas ou até mesmo ao seu desenvolvimento profissional. No entanto, o autor, salienta que se a grande parte dos professores não o fazem, também não são obrigados, uma vez que não existem mecanismos legais, nem económicos, nem morais que os obriguem a faze-lo.
Em terceiro lugar, confrontado com ideias inovadoras que não envolva a sua turma e a sua maneira de leccionar, o professor fica desorientado, uma vez que a maior parte da classe docente continua apegada ao manual escolar como última fonte da sua organização, e ideias dinamizadoras de dar aulas, ficam simplesmente em papel.
Em quarto lugar aponta para o desinteresse do professor em participar de forma mais activa nos problemas da escola, deprecia a sua participação no Conselho Pedagógico, olha com descontentamento para a Associação de pais, entre outras atitudes.
Em quinto lugar, a Direcção da escola como instituição tem-se desmoronado, uma vez que o professor tem conseguido converter-se em dono e senhor da sua turma, do seu grupo ou da sua aula, não respondendo senão a si próprio, não dando quais queres satisfações à Direcção.
Consequentemente, as escolas são frequentemente organizações ineficazes, por vezes um resumo de professores e, para o aluno tudo depende da sorte de quem lhe surja na sala, principalmente como professore – tutor da escola básica.
Em sexto lugar, o clima vivido no interior da escola tem se convertido num cenário sem incentivos, para os melhores profissionais. É nos corredores e sala de professores que se denota uma falta de objectivos partilhados, uma falta de compromisso moral e um baixo nível profissional. O principal inimigo da escola publica não esta no exterior mas sim no seu interior. Mais uma das razões que reforça a migração de alunos, frequentadores da escola publica, para escolas privadas.
Como tentativa de explicar o mau estado em que se encontra a denominada escola pública, Mariano Enguita, aponta as razões que levaram a este estado de decadência.
A primeira razão que aponta é a feminização, uma vez que a mulher fica sujeita a uma dupla responsabilidade, além do trabalho profissional acarreta também as tarefas domésticas. Argumenta ainda que a eficácia da mulher será maior nas tarefas domésticas do que em casa. Tendo as mulheres que desenvolver este trabalho dentro das suas casas, procuram empregos a tempo parcial e uma menos pressão em converter em tais aqueles que não são.
No sector privado as mulheres são sujeitas a trabalhar a tempo parcial mas também são empregos precários, mal remunerados e sem oportunidade de promoção. No sector público não se depara com os mesmos obstáculos e tem a oportunidade de conciliar o trabalho que desenvolve dentro e fora de casa.
Uma segunda razão é a desvocacionalização da profissão. O autor pensa não estar a cair em erro quando afirma que tem havido uma desvocação progressiva da carreira docente. Professores do ensino do primeiro ciclo e do ensino básico, ingressavam nesta carreira, pois olhavam para a escola como um meio onde eles poderiam servir o próximo. O docente era um antigo bom aluno que encontrava na escola a melhor forma de se auto – realizar enquanto adulto, dado que esta era o melhor que havia conhecido e, de certa forma, o melhor que podia imaginar.
Hoje em dia, o aluno da licenciatura em ensino do primeiro ciclo do ensino básico, é alguém cuja média não lhe permitiu ingressar noutro curso e o professor do ensino secundário é um profissional que gostaria de exercer a sua profissão fora da escola, ou seja ao serviço do próximo mas não em contexto escolar.
Um outro factor que tem vindo a desencadear toda esta degradação da escola pública, é a dinâmica sindical. São os próprios sindicatos que reivindicam a defesa e a qualidade da escola publica, que alimentam o despertar dos elementos mais corporativos e dos movimentos de renovação pedagógica e outras alternativas comprometidas e renovadoras, mas que ao mesmo tempo pouco ou nada fazem de concreto para que tal se verifique, querendo mais fazendo menos.